terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O amor e o mito da alma gêmea

O livro O Banquete do filósofo Platão apresenta vários discursos sobre o amor. Dentre os discursos apresentados há um muito interessante onde um dos personagens, Erixímaco, apresenta a teoria de que existiam seres que possuíam quatro braços, quatro pernas e duas cabeças chamados andrógenos. Eles eram muito fortes, velozes e poderosos, sendo muito superiores aos homens. Por suas características, os andrógenos se rebelaram contra os deuses. Zeus, portanto, resolveu partir-lhes ao meio para puni-los tornando-os mais fracos.

Segundo Erixímaco, essa seria a origem das almas gêmeas, ou seja, os andrógenos, sendo partidos ao meio, buscavam sem fim sua outra metade na tentativa de completar-se novamente.

“Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por usa própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro.” (O Banquete, Platão)

Apesar de poucas pessoas acreditarem no mito do andrógeno, ainda persiste a crença de que existe um encontro perfeito entre duas pessoas, de tal modo que o sentimento de completude superará o vazio existencial humano. No fundo, todos nós gostaríamos de encontrar nossa alma gêmea, aquela pessoa que nos dispensará de qualquer necessidade por mais gente.

Um ponto crucial na história dos andrógenos, e portanto, da alma gêmea, não é apenas a busca incessante pela outra metade perdida, mas sim, o que ocorre após esse encontro, ou seja, a morte. A necessidade de contato e o sentimento de completude impediam as duas metades dos andrógenos de viverem, eles ansiaram tanto por se reencontrar, que preferiam morrer de inanição a desgrudar-se novamente e ter que lidar com a falta.

No consultório é fácil perceber essa necessidade de completude total. Não é raro perceber em homens e mulheres a fantasia de que o parceiro irá completá-lo e fazê-lo feliz eternamente. Por um lado, observa-se uma frustração com a realidade, onde o parceiro não consegue suprir todas as necessidades do indivíduo. Por outro, há uma cobrança excessiva de que o casal deve se bastar. Alguns discursos demonstram plenamente isso, por exemplo, o homem que não entende porque a mulher precisa de amigos para desabafar, “Ela pode contar as coisas pra mim! Eu não sirvo?”.

Outros discursos são mais implícitos e socialmente aceitos, como, por exemplo, o desrespeito à individualidade dos sujeito. “Nós somos casados. Não deve haver segredos entre nós.”. A necessidade de contato estreito e constante acaba fadando o relacionamento ao mesmo destino dos andrógenos: a morte.

No relacionamento entre almas gêmeas (ou entre andrógenos) não há espaço para gostos divergentes, não pode haver individualidade, não é admissível a separação do par. Ela não gosta de futebol? Ele não vai ao campo. Ele não gosta de dançar, ela não vai ao samba. E nessa mistura perde-se a essência da pessoa.

É interessante ver pessoas após o rompimento de uma relação longa. Geralmente elas encontram-se perdidas, não sabem mais o que gostam de fazer, ou porque fazem as coisas que fazem. Aparentemente para que haja união, tudo aquilo que distingue o sujeito do parceiro deve ser jogado fora, os dois devem se fundir perfeitamente, sendo assim, é necessário matar uma parte de si para se adequar ao outro. A grande dúvida que surge é - será que realmente isso é amor? 

sábado, 2 de novembro de 2013

Síndrome de Asperger - Parte II


Uma importante característica da síndrome de asperger, é que ela não vem acompanhada de retardo cognitivo. Geralmente pessoas acometidas por asperger possuem inteligência normal a superior. Eles podem se demonstrar alunos brilhantes em determinadas áreas e quando inseridos no mundo profissional destacam-se pela extrema dedicação.

Contudo, por não saber interpretar as informações não-verbais, o asperger também não conseguem se expressar de modo adequado. Não é raro ver crianças e adultos com asperger ter comportamentos de automutilação, como morder as próprias mãos ou bater a cabeça na parede quando estão tristes, ansiosos ou envergonhados. O contato físico pode ser algo extremamente invasivo para esses  sujeitos. Sendo assim, demonstrações de afeto comuns como abraçar, beijar ou passar a mão no cabelo de alguém não fazem parte do repertório normal de comportamento deles. Suas demonstrações físicas de afeto são muito raras e seletistas. É comum achar que indivíduos com asperger são frios, agressivos e estranhos, isso resulta em  um grande prejuízo às suas relações interpessoais o que acaba por refletir-se na sua vida familiar, estudantil, profissional e pessoal.

De um modo geral eles são rigidamente apegados às normas. Sua inflexibilidade enquanto a aplicação das regras tende a dificultar mais ainda as relações sociais, pois de modo geral as relações humanas não segue um padrão rígido de comportamento.


Muito dificilmente uma pessoa com asperger irá modificar seu modo de ver e relacionar-se com o mundo. A intervenção psicológica para esse grupo de pessoas não deve visar tal mudança. Não é correto achar que eles estão errados no seu modo de ser, contudo é necessário fazê-los compreender que eles visualizam o mundo de um modo diferente da maioria das pessoas. Dotá-los de um repertório social que facilite o acesso interpessoal e a compreensão das regras sociais é um importante passo para auxiliá-los no transito social. 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Escolhas


Mãe e filha começam a conversar. A mãe, com seus cinquenta e poucos anos, diz à filha, de quase trinta, que não aprova o rumo de vida que a esta escolheu. “Isso não está certo.”. A moça discorda, mas a mãe insiste que não é aquilo que as pessoas esperam dela. A filha, em sua rebeldia, pergunta à sua genitora se ela sempre fez o que as pessoas diziam que ela deveria fazer.

Neste momento a mãe é tomada por um ar melancólico e confessa: Sim, quando eu era nova disseram-me qual religião eu deveria seguir e eu segui. Que tipo de homem eu deveria namorar e eu namorei. Que eu deveria me casar e eu me casei. Que eu deveria obedecer ao meu marido e eu obedeci. Que eu deveria ter filhos e eu tive. Como eu deveria criá-los e eu criei. Agora todos cresceram e foram embora e não tem mais ninguém mais para me dizer o que eu devo fazer.

Essa história poderia ser uma fábula, contudo ocorreu de verdade. A filha muito triste por notar que a mãe não escolheu o rumo de sua vida. A mãe perdida por não saber mais caminhar com as próprias pernas. Duas realidades distintas, um só sentimento: angústia.

Não é raro encontrar homens e mulheres perdidos entre trilhar o próprio caminho e “fazer o que é certo”. Pessoas que se acostumam a dizer sim para tudo e quando se encontram com alguém que lhe permite dizer não ficam desnorteadas. Não conseguem identificar ao certo qual é o seu desejo, mas apenas o que é esperado delas.

Muitas vezes o sujeito opta por obedecer as convenções, de fato parece que é o mais correto a se fazer. Um desfecho possível é o que ocorreu com essa senhora acima: uma hora as pessoas param de dizer o que ela deve fazer. E, neste momento, ela volta seu olhar pra trás e percebe que não fez nada do que havia sonhado. Ao olhar para frente percebe que não sabe mais o que deseja fazer. O passado torna-se cinza, o futuro, obscuro.


Por outro lado, trilhar o próprio caminho é algo que necessita de muita determinação, força e coragem. É um salto no escuro. Não há caminho trilhado, tampouco a certeza de que a felicidade estará lhe aguardando ao final da jornada. Como disse Sigmund Freud “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz”.

domingo, 1 de setembro de 2013

Consumo Infantil

Sala de embarque do aeroporto lotada, um menino com uns 5 ou 6 anos entra na livraria com o seu pai, de repente começa uma correria, o pai atrás do filho pedindo que ele entregue o brinquedo que pegou e o menino gritando que quer o brinquedo. Todas as pessoas presentes veem  a cena atônitos. O pai impotente suplicando ao filho que devolva o brinquedo e o menino esperneando e chorando porque “precisa” do brinquedo. O pai afirma que ele já possui muitos brinquedos e mostra uma bolsa cheia. A gritaria permanece durante uns quinze minutos até que o pai é vencido pelo cansaço, volta na livraria e paga o objeto subtraído pela criança.

Quem nunca presenciou uma cena como essa? Uma criança fazendo pirraça porque quer alguma coisa. Seja um brinquedo ou um doce. O apelo às emoções dos pais, o constrangimento causado pela situação, a afirmação de que a criança quer e quer naquele momento faz com que muitos pais fiquem numa situação tal que acabam cedendo aos pedidos dos infantes.

O consumismo infantil é um tema complexo que vêm chamando a atenção de vários profissionais que trabalham com as crianças. A cada dia que passa as crianças estão exigindo mais e mais brinquedos, roupas, alimentos  não saudáveis. Os pais encontram-se pressionados por uma indústria voraz que descobriam que as crianças são um mercado de consumo altamente prometedor.

É assustador o volume de propagandas voltadas para as crianças durante a programação infantil. O quadro é pior ainda quando se trata de canais pagos. O número de propagandas de alimentos (iogurtes, chocolates, sorvetes); brinquedos; roupas; calçados e uma infinidade de produtos e serviços que são veiculados com o objetivo de seduzir as crianças é absurdo. As crianças se tornam reféns da mídia que perversamente diz que para ser feliz você tem que possuir/consumir determinado objeto.

O mídia está presente na vida das crianças diariamente. Em muitos casos o tempo que a criança está em contato com o meio midiático (televisão, internet, rádio, etc) é consideravelmente maior do que o tempo que a criança passa com os pais. Vemos atualmente nossas crianças sendo educadas pela televisão.  E os pais se sentem culpados diante de tantas atividades que acabam usurpando seu tempo com os filhos.

Se por um lado o mercado aproveita-se da ausência dos pais no convívio com os filhos para passar-lhes os valores que são lucrativos para nossa sociedade capitalista. Por outro, ele apela para o sentimento de culpa dos pais e ensina que o modo de compensar a ausência é cobrir a criança de objetos. As mensagens são diretas: “Peça ao seu pai, se ele te ama, ele vai te dar a botinha do Ben 10”, “Compre Batom, seu filho MERECE Batom”. O que fazer diante dos apelos crescentes desse mercado voraz? Muitas vezes optamos por ceder, afinal de contas, eles merecem, não merecerem? Mas, será que esse é o melhor caminho?

Pensando nisso, o programa da TV Justiça me convidou para discutir um pouco a questão do consumismo infantil e algumas formas que a família, a sociedade e o Estado podem lidar com esse problema. Abaixo vocês podem ver o vídeo do programa em que pensamos um pouco sobre essa matéria.


terça-feira, 4 de junho de 2013

Posso ser sincero?

Uma fala que escuto constantemente em meu consultório é “Eu posso ser sincero?”. Essa frase e suas variantes (“Posso falar a verdade?”, “Desculpe-me por falar isso.”) revelam todo o medo que a pessoa tem de não ser acolhida em sua face mais frágil. Infelizmente, aprendemos que expor nossos sentimentos e fragilidades é algo inadequado e grosseiro, que não seremos aceitos, tampouco amados, se mostrarmos quem realmente somos.

Venho observado que esse aprendizado é extremante eficaz, pois de tanto acreditarmos que é errado ser quem se é, sentir o que se sente e dizer o que se pensa, acabamos por esconder de nós mesmos aquilo que julgamos que os outros não aceitarão. Recentemente atendi um rapaz que me disse “Não sei se aqui é a hora nem o lugar para dizer, mas tem algo que nunca contei para ninguém.”. O que responder num momento desse? “Bom... sinta-se a vontade para dizer ou não.”.

Não, de fato não é fácil ser sincero. Aprendemos que tudo tem a hora e o lugar para se falar, as palavas certas, as pessoas adequadas. Mas para além disso, aprendemos que existem coisas que nunca devem ser ditas, sentimentos que nunca podem ser expressados, pensamentos que jamais devem ser comunicados. Por fim, quem se expressa é tido como louco, infantil, ingênuo ou grosseiro. Falar o que se pensa é coisa para criança: “Ah... crianças, falam tudo que lhes vem a cabeça!”.

E nessa de guardar o que achamos inadequado acabamos desaprendendo a nos expressar. Dizer que ama, que está com medo, que sente inveja, expressar a dor e a insegurança, chorar, tudo isso se torna vergonhoso. Não é raro ver uma expressão de susto misturada com alívio quando a pessoa percebe que, sim, ela pode falar a verdade e, não, ela não será julgada por isso.

Aprende-se a usar uma máscara social, e ela é usada durante tanto tempo que o sujeito acaba  acreditando que essa é a única face possível. Existe uma crença inconsciente de que embaixo daquela máscara habita um monstro terrível: para sobreviver é necessário escondê-lo.

Mas será que é isso mesmo? Não... na verdade é um privilégio ver alguém se libertando de sua máscara. Embaixo dela habita um ser frágil, porém belo. Não há perfeição, mas é justamente os pequenos defeitos que tornam a pessoa mais encantadora. Como nos quadros de Picasso, a beleza não se encontra na perfeição e sim na assimetria.  

terça-feira, 9 de abril de 2013

Como é Síndrome de Asperger para alguém que tem Asperger

Um interessante vídeo de um adolescente que tem Asperger. Ele explica didaticamente como é conviver com a síndrome. 




terça-feira, 12 de março de 2013

Adolescência ou "aborrescência"?


É consenso em nossa sociedade que o período da adolescência é uma fase crítica na vida das pessoas. A criança inicia uma série de transformações, mas elas não são apenas fisiológicas. Nesse período da vida ocorrem importantes processos cognitivos e sociais que nem sempre são vividos de forma tranquila.

As alterações hormonais às quais os meninos e meninas estão sujeitos transformam não apenas o corpo, mas a percepção que o indivíduo tem do mundo e de si mesmo.  Alteração de voz, amadurecimento dos órgãos sexuais, crescimento de pelos pubianos, início do ciclo menstrual, o retorno da libido (saída do período de latência), início do período cognitivo operatório concreto (fase descrita por Jean Piaget que se caracteriza pela adoção da habilidade mental de se pensar em termos abstratos e realizar operações lógicas ao nível das ideias), tudo isso vêm acompanhado de uma radical mudança no status social que o indivíduo ocupa.

Nessa fase certos comportamentos que anteriormente eram aceitos como naturais passam a ser considerados imaturos. É nesse momento que o sujeito começa a participar de forma mais ativa e consciente do convívio familiar. Ou seja, é quando o sujeito passa a ter maiores responsabilidades com a manutenção da casa, compreender melhor os conflitos familiares e principalmente ter que se posicionar diante de situações complexas, muitas vezes necessitando auxiliar o gerenciamento de crises.

O indivíduo começa a perceber de modo muito mais claro os conflitos conjugais vivenciados pelos pais, as crises financeiras, os conflitos sociais e as primeiras decepções amorosas. Definitivamente essa não é uma fase nada fácil.

Por outro lado, os pais assistem a tudo de cabelo em pé. A grande maioria não sabe lidar com os momentos vivenciados pelos filhos e são invadidos pelo sentimento de impotência. Presenciar essa fase muitas vezes significa para os pais reviver os próprios conflitos da adolescência.


Reviver os conflitos da adolescência através do filho leva alguns pais a se sentirem paralisados, tornando-se incapazes de auxiliar e orientar os adolescentes de modo adequado. Alguns erros comuns são cometidos nessa fase. Por exemplo, os pais que observam que os filhos estão iniciando sua vida sexual e preferem ignorar os sinais. Nesse caso, às vezes os pais se apoiam em crenças religiosas. Julgam que o indivíduo deve manter-se casto até o casamento. Outros utilizam-se da vã afirmação de que os filhos ainda são muito novos para tal situação.

Já outros pais preferem adotar uma posição autoritária diante desse conflito. Lembro-me de uma senhora que estava desesperada e veio conversar comigo. Sua filha iniciou o namoro com um rapaz o qual a senhora não julgava ser uma pessoa adequada para ela. A mãe chorava e brigava diariamente com a filha sem que isso surtisse nenhum efeito positivo. Ao contrário, a relação das duas apenas estava se desgastando a cada dia. Ela expôs a situação e perguntou qual atitude adequada deveria tomar. Contou-me que proibiu a menina de sair de casa e de fazer as atividades que mais gostava. Após um longo diálogo, chegamos à conclusão de que essa posição assumida pela mãe só daria mais força àquele amor proibido. Ora, retirar toda a distração e atividade que davam prazer à filha era uma forma de fomentar a relação, afinal, a menina começou a ter mais e mais tempo para devanear sobre o amado.

Um mês depois essa mesma senhora veio conversar comigo super feliz. A garota havia terminado o namoro sem que ela interferisse e a relação das duas ficou mais próxima e sólida. Que milagre aconteceu? A mãe parou de brigar com a filha, deixou de ser um empecilho para o relacionamento e se posicionou como alguém em que a menina podia confiar e pedir auxílio. Com o tempo, a menina percebeu que realmente o tal garoto não era aquilo que ela achava e resolveu por fim ao relacionamento.

Qual lição podemos tirar desse exemplo? É inegável de que os pais precisam impor limites claros e objetivos aos filhos. Contudo, muitas vezes é importante adotar uma posição amigável onde os pais deixam de ser um rivais e passam a ser pessoas em quem o filho pode confiar. Esse é o caminho mais saudável para manter a relação e auxiliá-lo em seu momento de crise.