segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Noiva em fuga


“Eles se casaram e viveram felizes para sempre”. Essa é a frase enigmática que encerra a maioria dos contos de fadas. As histórias de princesa sempre tem um enredo semelhante: a moça rica ou pobre é perseguida por uma bruxa que, por algum motivo, quer atrapalhar a vida da pobre. Mas em algum momento ela conhece o príncipe que lhe dá o beijo apaixonado, eles se casam e finalmente encontram a eterna felicidade, ou seja, o “para sempre”.

 Destas histórias é possível extrair várias questões, do tipo “por que sempre existe uma bruxa má?”, “por que a salvação da princesa surge apenas através da figura do príncipe?”, “será possível achar um príncipe?”, “todas mulheres têm que beijar os sapos?”, “todos sapos se tornarão príncipes?”, “o que fazer quando o príncipe se transforma em sapo?” e, é claro, “o casamento é a garantia da felicidade?”.  Estas questões são antigas e vários teóricos vêm trabalhando com elas há anos. Mas, neste momento gostaria de abordar um ponto que chama a atenção: por que toda história de amor, seja nos contos de fadas, seja nas novelas televisivas, encerra-se com a cerimônia de casamento?

A cerimônia de casamento, além de estar presente em várias culturas, é considerada um dos rituais mais importantes, tanto que dentro do catolicismo ela é um dos sete sacramentos. No mundo feminino o casamento é um dos eventos mais significativos. É comum ver meninas e mulheres sonhando com suas futuras festas de casamento. Elas querem o vestido mais lindo, a música certa, a festa ideal, grandiosa, tudo tem que estar perfeito. Não é de se estranhar que as noivas sejam famosas por sua ansiedade e nervosismo. Contudo, o estresse, que se justifica através dos preparativos da cerimônia, muitas vezes tem como causa fundamental outras questões.

A festa de casamento não é vivenciada apenas como a cerimônia de coroação do amor romântico, mas ela representa também o ritual de passagem para a vida adulta. A ideia de sair da casa dos pais, formar uma nova família, assumir as responsabilidades de um lar. Tudo isso é vivenciado simbolicamente como o ingresso à vida adulta.

Sendo assim, não é raro observar noivas apresentarem sintomas regressivos, como chorar compulsivamente por qualquer motivo, apresentar-se extremamente carente, fazer birra, roer unha, ficarem agressivas por qualquer razão, etc. O estresse vivido pelas noivas geralmente é tolerado socialmente como um fricote feminino,“noiva é assim mesmo, quando casar passa”.

Na clínica, percebe-se uma insegurança com relação ao futuro que vai muito além da cerimônia. Aparentemente elas estão preocupadas com o bolo, o vestido e os convidados. Há uma angústia com relação ao que deixará de ser e ao que ser tornará. A mudança de estado civil interfere radicalmente na constituição da identidade. Percebe-se que há, no baile dos contos de fada, uma metamorfose de Gata Borralheira para Cinderela e, no casamento, de menina para mulher. Esse processo não é um dos mais tranquilos, talvez porque em nossa sociedade a cobrança com relação ao comportamento adequado numa relação de casamento ainda seja muito mais duro e radical com relação à mulher.

Deixar de ser criança e posicionar-se como um adulto perante a vida é um processo que necessita de apoio e esforço contínuo. Perceber o momento que a pessoa está vivendo apenas como uma frescura não a ajudará em seu processo. O apoio da família e dos amigos é fundamental para que finalmente a Gata Borralheira encontre seu final feliz e a história da Cinderela tenha seu início, afinal de contas... a cerimônia é só o início.