quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Maternidade e culpa


Não há dúvidas de que ter um filho é uma experiência inigualável na vida de uma pessoa. Gerar uma vida, acompanhar seu crescimento e desenvolvimento, educar um indivíduo, cuidar, amar e (por que não?) ser amado incondicionalmente é uma vivência transformadora na vida de uma pessoa.

Contudo, a experiência da maternidade não é tão passíva e prazerosa quanto a sociedade retrata. Ela exige um constante esforço e muito trabalho. A ideia de que a mulher nasce para ser mãe é mais um dos mitos que povoam nossa sociedade. Assim como ninguém nasce mulher, homem, professor, jogador de futebol, religioso ou estudante, ninguém é mãe a partir do momento que fica sabendo da gravidez. É necessário perceber que ser mãe é uma construção de identidade, sendo assim há vários conflitos para que essa identidade se constitua.

A demanda constante por carinho, atenção e cuidados acaba por tornar um grande desafio a tarefa da maternagem. A situação torna-se mais drástica em nossa sociedade uma vez que as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho e participam ativamente no sustento da família. Existe uma acumulação de responsabilidades em cima das mulheres, o estresse gerado por essa pressão em que se encontram as mulheres têm sido fonte de adoecimento.

Além disso, observa-se que a maternidade atualmente vem envolta por um grande sentimento de culpa. Recentemente ouvi na clínica uma mãe se culpar por admitir que um dos maiores prazeres que sente é tomar um cafezinho após o almoço. A fala daquela mulher (“Eu sei que é errado, que é egoísmo meu. Eu deveria me sentir bem com algo relacionado às minhas filhas”) caracteriza bem o que muitas mulheres vivenciam. Outra mulher uma vez confessou angustiada que se sentia aliviada quando ia para o trabalho e podia se desligar um pouco dos filhos. Ela recriminava-se enquanto mãe, pois não condizia com a imagem retratada socialmente. Uma mãe não pode gostar de trabalhar, ela tem que se sentir feliz apenas quando está perto do seus filhotes?

Não, definitivamente não é errado se sentir bem com algo que não envolva os filhos. Não é egoísmo nem falta de amor sentir-se aliviada quando se tem um tempo só para si. E não é ser uma mãe ruim querer esse tempo. O que é errado é achar que a mulher tem que dar conta de tudo sozinha. Ser mãe é vivenciar sentimentos ambivalentes (contraditórios) em relação aos filhos. O amor  vêm acompanhado de angústia, impotência, cansaço e até mesmo raiva e, com os filhos não é diferente.

É evidente que várias mulheres se sentem culpadas por não poder se dedicar mais aos filhos, por não estarem com eles todos os dias. Mas é notório que muitas também se sentem culpadas por sentirem-se esgotadas devido a maternidade. Ser mãe não é só sentir coisas boas, sim, elas existem e são incontáveis, contudo a exigência dessa atividade também trás sofrimento. É necessário propiciar espaços para que as mulheres compartilhem suas angústias com relação à maternidade. E, ainda, fazê-las compreender que antes de serem mães elas são seres humanos, como qualquer um. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Inércia

Um conceito da física muito interessante é a inércia, mas o que é  inércia? Segundo a Primeira Lei de Newton, a inércia é o estado que se encontra matéria quando um corpo não está submetido à ação de forças, ou está submetido a um conjunto de forças de resultante nula. Sendo assim, quando este corpo está parado, permanece parado, e se está em movimento, permanece em movimento, em linha reta e a sua velocidade se mantém constante. Um bom exemplo da atuação da inércia é quando estamos deslocando em algum meio de transporte. Quando estamos dentro de algum veículo como, por exemplo, um carro, e ele arranca, o nosso corpo tende a ir pra trás. Assim que ele estabiliza a velocidade alcançamos o equilíbrio. Por outro lado, se  o carro frear o nosso corpo é jogado para frente.


Há momentos em que parece que nós também nos encontramos sob o efeito da inércia em nossas vidas. A pessoa não está satisfeita com o trabalho, todavia permanece fazendo aquela atividade. Não há mais amor no casamento, mas, fazer o que? Já está casado mesmo. Não gosta do bairro onde mora, contudo continua naquele lugar. Não acredita mais em Deus, porém reza o Pai Nosso toda noite. As atividades diárias tornam-se quase um ritual, levanta-se sempre no mesmo horário, come-se sempre as mesmas coisas, caminha-se sempre pelos mesmos trajetos. Já está tudo lá, pronto, é só continuar seguindo. Sorri porque tem que sorrir, come porque tem que comer, dorme porque tem que dormir. Não há prazer, apenas rotina.

A física diz que para se quebrar a inércia é necessária uma força oposta que seja maior que a soma de todas as forças que estão atuando sob o corpo. Ou seja, um carro pequeno não é capaz de parar um caminhão desgovernado, ao contrário, ele será arrastado junto com o caminhão. Na vida não é diferente, um pequeno evento é incapaz de mudar a situação. Por exemplo, uma discussão boba com o colega do trabalho não fará com que a pessoa peça demissão. Para mudar é necessário esforço, empenho.


Alguns eventos extraordinários são capazes de quebrar a inércia naturalmente. A morte de uma pessoa querida, uma doença, uma crise financeira, ou até mesmo um novo amor. Elas possuem um poder extraordinário para a transformação. Mas será que é necessário esperar que algo nesses moldes aconteça para que ocorra uma mudança?


É claro que não. O primeiro passo é reconhecer quais os ganhos que se têm em manter a situação. Muitas vezes a pessoa permanece em determinada condição por comodismo, conveniência, ou até mesmo medo. Se por um lado o salário bom, a estabilidade do casamento, a segurança do que já é conhecido, tudo isso interfere para a manutenção da rotina, por outro a insegurança do novo e a incerteza no final do caminho impedem que se dê o primeiro passo.


Romper a inércia é arriscar. Não há garantias de que será melhor, ou de que se encontrará a felicidade, mas ainda assim há aqueles que preferem tentar. No fim, parafraseando Nietzsche, “o importante é a coragem de ser si mesmo”.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Noiva em fuga


“Eles se casaram e viveram felizes para sempre”. Essa é a frase enigmática que encerra a maioria dos contos de fadas. As histórias de princesa sempre tem um enredo semelhante: a moça rica ou pobre é perseguida por uma bruxa que, por algum motivo, quer atrapalhar a vida da pobre. Mas em algum momento ela conhece o príncipe que lhe dá o beijo apaixonado, eles se casam e finalmente encontram a eterna felicidade, ou seja, o “para sempre”.

 Destas histórias é possível extrair várias questões, do tipo “por que sempre existe uma bruxa má?”, “por que a salvação da princesa surge apenas através da figura do príncipe?”, “será possível achar um príncipe?”, “todas mulheres têm que beijar os sapos?”, “todos sapos se tornarão príncipes?”, “o que fazer quando o príncipe se transforma em sapo?” e, é claro, “o casamento é a garantia da felicidade?”.  Estas questões são antigas e vários teóricos vêm trabalhando com elas há anos. Mas, neste momento gostaria de abordar um ponto que chama a atenção: por que toda história de amor, seja nos contos de fadas, seja nas novelas televisivas, encerra-se com a cerimônia de casamento?

A cerimônia de casamento, além de estar presente em várias culturas, é considerada um dos rituais mais importantes, tanto que dentro do catolicismo ela é um dos sete sacramentos. No mundo feminino o casamento é um dos eventos mais significativos. É comum ver meninas e mulheres sonhando com suas futuras festas de casamento. Elas querem o vestido mais lindo, a música certa, a festa ideal, grandiosa, tudo tem que estar perfeito. Não é de se estranhar que as noivas sejam famosas por sua ansiedade e nervosismo. Contudo, o estresse, que se justifica através dos preparativos da cerimônia, muitas vezes tem como causa fundamental outras questões.

A festa de casamento não é vivenciada apenas como a cerimônia de coroação do amor romântico, mas ela representa também o ritual de passagem para a vida adulta. A ideia de sair da casa dos pais, formar uma nova família, assumir as responsabilidades de um lar. Tudo isso é vivenciado simbolicamente como o ingresso à vida adulta.

Sendo assim, não é raro observar noivas apresentarem sintomas regressivos, como chorar compulsivamente por qualquer motivo, apresentar-se extremamente carente, fazer birra, roer unha, ficarem agressivas por qualquer razão, etc. O estresse vivido pelas noivas geralmente é tolerado socialmente como um fricote feminino,“noiva é assim mesmo, quando casar passa”.

Na clínica, percebe-se uma insegurança com relação ao futuro que vai muito além da cerimônia. Aparentemente elas estão preocupadas com o bolo, o vestido e os convidados. Há uma angústia com relação ao que deixará de ser e ao que ser tornará. A mudança de estado civil interfere radicalmente na constituição da identidade. Percebe-se que há, no baile dos contos de fada, uma metamorfose de Gata Borralheira para Cinderela e, no casamento, de menina para mulher. Esse processo não é um dos mais tranquilos, talvez porque em nossa sociedade a cobrança com relação ao comportamento adequado numa relação de casamento ainda seja muito mais duro e radical com relação à mulher.

Deixar de ser criança e posicionar-se como um adulto perante a vida é um processo que necessita de apoio e esforço contínuo. Perceber o momento que a pessoa está vivendo apenas como uma frescura não a ajudará em seu processo. O apoio da família e dos amigos é fundamental para que finalmente a Gata Borralheira encontre seu final feliz e a história da Cinderela tenha seu início, afinal de contas... a cerimônia é só o início. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Depressão? Não! Paixão.


Imagine a cena: uma senhora de setenta e poucos anos é encaminhada ao psicólogo com o provável diagnóstico de depressão. A senhora chega com seu vestidinho de chita, cabelo preso num coque bem alinhado e com um brilho no olhar que faz a psicóloga duvidar que era aquela mulher a paciente que deveria ser atendida naquele horário. Suas bochechas rosadas e sua presença leve não parecia em nada com as de alguém com depressão.

A psicóloga entra para o consultório e começa a conversar com a senhora.  Primeiro vem uma lista interminável de sintomas: insônia, falta de apetite, ansiedade, tremor, palpitação no peito, falta de concentração, etc. Aparentemente tudo se enquadra. Conversando um pouco mais a senhora conta sobre sua vida, seu marido falecido há muitos anos, seus filhos e netos, e, por fim, ela fala sobre um amigo da família que vai toda tarde visitá-la. Neste momento um doce sorriso estampa-se em seu rosto. Ela não consegue esconder a empolgação. A psicóloga compreende o que está acontecendo. Conversa com ela e explica que não se trata de depressão, mas algo bem diferente. Qual é o mal que acomete essa pobre senhora sexagenária? Paixão! Mais pura e simples paixão. A senhora ouve surpresa e atenta cada palavra da psicóloga e com um sorriso entre os dentes pergunta “Mas doutora, como pode? Eu já sou velha.”

Felizmente essa história aconteceu de verdade. Sim... uma avó estava apaixonada ao ponto de deixar o bolo queimar no forno. É surpreendentemente agradável perceber que por mais velha que a pessoa possa ser  o coração continua batendo. A idade é incapaz de desensibilizar nossas emoções. Quando alguém pensa que já viu tudo, já viveu tudo, que já esgotou sua cota de amor durante a vida vem alguém e arrebata-lhe coração.

Qual foi o final da história? Ela num desespero adolescente perguntou “mas o que eu faço agora? Já somos muito velhos, não estamos mais na idade de namorar.” A psicóloga lhe sorri conspiradoramente e diz “Não faça nada, mas não se esqueça de passar perfume na hora que ele vier lhe visitar!”.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O divórcio é um fracasso?


Não é raro encontrar pessoas que se sentem fracassadas, pois seus casamentos chegaram ao fim. O discurso parece sempre o mesmo “Eu não consegui. Casamento pra mim é um só. Meus avós ficaram casados mais de cinquenta anos. Antigamente os casamentos duravam mais. Não sei o que está acontecendo.”.
É interessante que nessa perspectiva o passado toma um colorido diferente. Os casamentos dos nossos antepassados parecem mais estáveis, duradouros e felizes. Contudo, é necessário observer que o matrimônio dos nossos avós era embasado em valores diferentes dos casamentos atuais.
Antigamente uma noiva era escolhida pela família do noivo devido a sua posição social, família a qual pertencia, dotes, educação, posses e perspectiva de dar muitos filhos ao futuro esposo. Por sua vez, o pai da moça aceitava o matrimônio se o rapaz provasse ser oriundo de uma boa família, se tivesse boa reputação, se fosse trabalhador e apresentasse um bom status social.
O enlace era acertado entre os pais dos noivos. A relação assemelhava-se a um contrato social onde os papéis eram bem definidos. Não havia muito espaço para sentimentalidades. A mulher deveria ficar feliz se o homem fosse educado e não batesse nela. E, em alguns casos, a sorte fazia com que o acordo político/econômico estabelecido pelas famílias coincidisse com os sentimentos dos nubentes.
Com o mito do amor romântico, o casamento deixou de ser um acordo entre famílias para se tornar um ato de amor. O matrimônio tornou-se o ápice do romance vivido entre o casal. Casamento por conveniência passou a ser visto como algo mesquinho e vil. Hoje não importa mais qual família o rapaz pertence, mas o frio na barriga que ele faz a moça sentir ao seu lado. O homem não liga mais se a moça é prendada, se sabe cozinhar e costurar, para ele o que importa é a esperança de viver momentos felizes ao lado dela.
Antes o casamento era sinônimo de estabilidade e garantia de reprodução, portanto, ser infeliz não era justificativa para um divórcio. Contudo, hoje, tornou-se sinônimo de amor e felicidade, sendo assim, como manter essa relação quando os dois acabam?
Um dos maiores desafios dos casais modernos é conseguir medir até quando insistir na relação ou se já é o momento de finalizá-la. É consideravelmente dramático perceber que acabou. Constatar que “viver felizes para sempre” é pra poucos, ou pelo menos, que não foi dessa vez que aconteceu o final feliz.


Acertar a medida de até onde vai o amor e onde começa a falta de respeito é muito complicado. Há casais que terminam quando surge a primeira crise forte. Nem tentam acertar a relação. Por outro lado não são poucos os que permanecem infelizes durante anos na esperança de que as coisas melhorarão.
Ambos os casos são problemáticos, pois, no primeiro, geralmente essas pessoas não conseguem se envolver inteiramente em outra relação. Mesmo que consigam, a sombra do casamento desfeito acompanha essas pessoas. Já no segundo caso a pessoa pode ser invadida por um sentimento de comodismo, onde a infelicidade parece-lhe uma coisa normal. Ser infeliz, fazer o outro infeliz não incomoda mais. No fundo não há diferença.
Há ainda a possibilidade do casal levar a relação ao limite insustentável. Tudo transforma-se em falta de respeito, mágoa e dor.
Diante das possibilidades apresentadas acima, o divórcio pode se tornar a saída mais digna e madura para um casal. Aceitar o fim e guardar o que houve de bom na relação, permanecendo o respeito, o carinho e a consideração pelo tempo vivido juntos é uma conquista. Às vezes, colocar um ponto final não é fracasso, mas sinal de sabedoria.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Casamento: a gota d'água


Através da natureza podemos ver a força que pequenos eventos contínuos possuem. Um bom exemplo são as formações de estalactites e as estalagmites. Elas são formações que crescem dentro de grutas e cavernas causadas pela precipitação de carbonato de cálcio que é arrastado pela água que pinga. Todos os dias, incansavelmente a água vai gotejando e ao longo de séculos surgem as estalactites (formação do teto direcionada ao chão) e as estalagmites (formação do chão direcionado ao teto).
Se na natureza pequenos eventos como o gotejar da água são capazes de criar formações tão impressionantes como as estalactites, nos relacionamentos humanos não é diferente. Muito dificilmente um casamento chega ao fim de uma hora para a outra. Pequenas gotas vão minando a relação. Um dia ele se esquece a data de casamento, no outro ela se esquece de dar um beijo de despedida, na semana seguinte ele se esquece de pedir por favor, no outro mês ela se esquece de pedir licença.
E assim vai, dia a dia, gota a gota. Quando se vê o casal não se toca mais, não conversa, não troca confidências. Ela não se preocupa mais com a lingerie que usa, ele não faz mais a barba para ficar com ela. Os dois não vão mais ao cinema. Sair pra jantar então? De forma alguma! Os filhos, o trabalho, as contas, os problemas, tudo é um empecilho para a convivência, tudo é mais importante. Conversa-se apenas o estritamente necessário. As contas do mês, os problemas na escola do filho, a necessidade de pintar a casa.
Os pequenos defeitos tornam-se insuportáveis. “Ele não acha nada sozinho!”, “Ela reclama de tudo!”. Sexo torna-se algo escasso. Não há tempo, não há intimidade, não há desejo. O que era amor começa a transformar-se em mágoa.  Sem ninguém perceber a estalagmite está surgindo.
Um dia ela se encanta pelo amigo que lhe escreve para desejar bom dia. Ele, por sua vez, sem  perceber comprou uma nova colônia para agradar a moça do elevador. Ela acorda ansiosa para olhar seu e-mail e ele conta os minutos para pegar o elevador. A crise já está instalada. Ambos têm dúvidas se são felizes com a relação.  Um dos dois envolve-se afetivamente com outra pessoa. O palpitar no peito torna-se uma paixão avassaladora. “Quando estou com ele sinto um frio na barriga, sabe... aquela coisa meio de adolescente.”, “Com ela eu sinto que estou vivo de novo. É tudo novo, eu me sinto homem novamente!”.
De repente um deles percebe o que está acontecendo. A pessoa quer salvar o casamento, mas a distância entre os dois é muito grande e toneladas de mágoas emperram o caminho. A tarefa de reatar a relação é muito árdua, a sensação é que não há como retornar o caminho já trilhado. Surgem as desconfianças até que um resolve terminar o casamento, pois está apaixonado por outra pessoa. Lágrimas e mais lágrimas lamentam a relação destruída. Cabe ao “infiel” a culpa pelo fim e, por um lado, é aliviante saber que é o outro quem é o culpado. “O casamento fracassou, mas não foi por culpa minha, ela que se apaixonou por outro”.
Não, não foi a paixão por outra pessoa que destruiu a relação, foram as gotas diárias de indiferença, falta de carinho, falta de tempo, grosseria, distanciamento e falta de investimento que minaram o casamento. A pergunta sempre é “ainda tem como salvar a relação?”. Sim, claro que sim. Mas há um preço a se pagar. É necessário abrir mão das mágoas acumuladas durante os anos e dedicar-se à arte da (re)conquista.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Asperger - Parte I


A Síndrome de Asperger durante muitos anos era diagnosticada como Autismo de alta funcionalidade e até hoje há muita confusão e desinformação a respeito do que é esse transtorno. Mas o que é essa síndrome? Como se comporta a pessoa que tem asperger? Tem tratamento? Como e quando identificá-la? 
Trata-se de um dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, ou seja, é um transtorno que afeta vários aspectos do desenvolvimento da pessoa. As habilidades sociais, a comunicação, o comportamento, os interesses e atividades são consideravelmente afetados. A pessoa que tem asperger apresenta um grave compromentimento de interação social e uma grande tendência de fixar seu foco em apenas um objeto de interesse. Diferentemente dos autistas, quem possui asperger quer manter relações socias, contudo, é extremamente complicado compreender o funcionamento e as regras sociais.
É como se o asperger mergulhasse a pessoa em um mundo binário. Apenas existe sim e não, preto e branco, claro e escuro. A vida é algo extremamente lógico. Não raramente a pessoa se interessa pelos campos da ciência em que o uso da lógica é essencial. Sendo assim, em seu mundo as relações humanas são peças que não se encaixam em seu quebra-cabeça. 
Associado ao mundo polarizado do asperger limitações de outras ordens ajudam a complicar o envolvimento social da pessoa. Os sujeitos afetados por esse transtorno possuem uma incapacidade de compreensão da liguagem não-verbal. Todas os modos de comunicação que não são expressos verbalmente e da forma mais direta possível (como, por exemplo, entonação de voz, expressão facial, metáforas e ironias) não são compreendidos pelo indivíduo, fazendo com que a comunicação seja prejudicada.
Imagine uma cena, o rapaz está conversando a primeira vez com uma moça, ela é bonita, inteligente e entende tudo de campo magnético (suponhamos que essa seja a área de interesse dele). Ele ficou realmente interessado nela. Ela diz “eu adoro pequi! Não posso nem sentir o cheiro.”. Quando chega o aniversário dela ele a presenteia com uma garrafa de licor de pequi. Ela fica brava. Grita com ele e diz que a brincadeira não teve graça. O rapaz olha atônito para a moça sem entender o que está acontecendo. Ele percebe que ela ficou com raiva porque ela o chama de “idiota” e diz que não quer vê-lo nunca mais. Mas não entende o motivo, ele só quis agradá-la. 
Nessa situação hipotética, ao dizer que adora pequi, a moça estava comunicando justamente o contrário. Ela odeia pequi. Qualquer outro interlocutor teria compreendido, pois através de sua voz, sua careta, a expressão corporal, tudo indicava que ela esta sendo irônica.  Mas ele não entendeu. Ela disse que adora pequi, então ela adora pequi. 
A partir dessa cena hipotética podemos imaginar que esse rapaz provavelmente ficará inibido de fazer uma nova investida amorosa. É importante observar que esse tipo de “desentendimento” ocorre em quase todas as relações que a pessoa que tem asperger se envolver e ao longo de toda a vida do sujeito. Entender o que as pessoas querem dizer quando dizem algo torna-se uma tarefa árdua e exaustante. Sendo assim, a tendência do sujeito é tentar se isolar desse mundo caótico, cheio de cores, tons e nuances que são as relações humanas.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Nada a se fazer


Um dos sentimentos mais devastadores que alguém pode sentir é a impotência. Estar de mãos atadas diante de uma situação que foge ao seu controle é altamente desconfortável e devastador. Mas, na vida há momentos que não há alternativas, só resta-nos esperar.  
Um pai que vê o filho com fome pode ir para rua tentar conseguir um emprego, pode arrumar dinheiro emprestado, pedir esmolas ou até mesmo cair na marginalidade. Ele é capaz de tudo para alimentar sua criança. Mas, e quando a necessidade é de outra ordem? O que pode fazer um pai diante da dor do filho?
Lembro-me de uma cena em que uma senhora chora pedindo a um médico que lhe retire uma de suas córneas e dê à filha, pois essa senhora não suportava mais vêr sua menina ficar cega diante de seus olhos sem que pudesse fazer nada. Um pedido descabido? Sim... claro! Médico algum aceitaria fazer tal procedimento. Contudo, para aquela senhora era a única alternativa, a única coisa que estava ao seu alcance para aplacar o sofrimento de sua filha.
Há pessoas que vivem atormentadas pela impotência, “meu maior medo é meu filho adoecer e eu não ter dinheiro para pagar seu tratamento”.  E em função de uma situação hipotética a pessoa sacrifica uma vida, deixa de viver momentos importantes com a família e os amigos para garantir recursos.
Mas engana-se quem pensa que a impotência atinge somente os pobres. Claro que quanto menos recursos financeiros, maior a probabilidade de estar impotente diante de uma situação. Todavia, é igualmente desolador, e às vezes até mais doloroso, constatar que existem recursos materiais e não há nada a ser feito.  
Compreender que na vida muitas coisas não estão sob controle talvez seja um dos caminhos para conseguir lidar com esse sentimento. Nos momentos de impotência lançar mão da fé e da esperança é um dos poucos meios capazes de tirar a pessoa do estado de abandono e letargia que a impotência pode gerar. Para Georges Bermanos “A esperança é a maior e a mais difícil vitória que um homem pode ter sobre a alma.” E, talvez, o único remédio eficaz contra o desespero causado pela impotência.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Medo


Um dos sentimentos mais primitivos que existe é o medo. Ele é um dos componentes essenciais do instinto de sobrevivência e está presente em todos os seres vivos. As plantas sentem medo. Quando percebem que estão diante a algum tipo de ameaça à sua integridade elas liberam comunicadores químicos, semelhantes aos hormônios, para comunicar às outras plantas e aos animais e insetos para que possam lhe ajudar. Por exemplo, uma planta que está sendo atacada por pulgões libera um comunicador químico que atrai os predadores desses insetos.

Que animais também sentem medo não há dúvidas. Basta observar um encontro casual entre um filhote de gato com algum cachorro. O animalzinho fica todo encolhido e arrepiado ao ver seu inimigo em potencial. Mas então, o que difere o medo que nós seres humanos sentimos do medo dos animais?

O primeiro elemento é a presença do medo na ausência do objeto causador do sentimento. O gato do exemplo sente medo do cachorro ao vê-lo. Ele não deixará de sair de casa por medo de que tenha um cachorro na esquina. Já os homens sentem medo mesmo que a situação de risco não esteja presente. Uma pessoa deixa de ir na padaria às dez horas da noite por medo de ter um ladrão na rua. O medo dos humanos antecipa a situação de risco, o dos animais só se apresenta diante dela.

Outra diferença importante é que animais e plantas só sentem medo de objetos concretos. Um sapo sente medo de uma cobra. Ela está ali, diante dele e ele sente medo. Já os homens sentem medo de coisas abstratas. Há quem sinta medo do futuro, do amor (ou da falta dele), da solidão, do vazio, de errar, enfim, as pessoas são capazes de sentir medo das coisas mais impalpáveis e, muitas vezes, improváveis.

Sentir medo é algo saudável, extremamente importante para a manutenção da vida. Se não houvesse esse sentimento as pessoas se exporiam a várias situações perigosas e desnecessárias. Contudo, o medo exagerado pode paralisar. É importante identificar até onde o medo que se sente é um instinto de sobrevivência que está beneficiando sua vida ou é algo que tem te impedido de caminhar. Como diria Platão “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Resiliência



Existe um conceito da física que foi apropriado pela psicologia chamado resiliência. Para a física resiliência é a propriedade que alguns materiais possuem de acumular energia quando  exigidos ou submetidos a estresses sem que haja ruptura. O material resiliente se modifica durante a tensão e depois libera a energia acumulada voltando ao seu estado anterior. A psicologia apoderou-se deste conceito para explicar a capacidade que certas pessoas têm de manterem-se estáveis mesmo em situações extremas.

Mas, o que é ser resiliente? É ser otimista? Não. Na verdade o otimismo é uma das características que as pessoas resilientes possuem, contudo ser otimista não é ser resiliente. Os otimistas acreditam que tudo vai dar certo, que apenas coisas boas acontecerão. Geralmente, pessoas otimistas demais tendem a ser ingênuos e acabam se frustrando muito com as adversidades da vida. Uma pessoa resiliente sabe que coisas ruins podem acontecer, que nem tudo na vida dará certo, mas que a vida também não é feita apenas de situações ruins. O resiliente consegue extrair das situações ruins lições para que no futuro sua vida melhore.

Um ótimo exemplo de resiliência que a física nos dá é a vara usada em salto. Quando o atleta a prende na caixa de apoio, ela se curva acumulando energia. Depois que essa energia é acumulada ao máximo ela retorna ao seu estado normal transformando aquela energia em força que impulsiona o atleta para cima. É exatamente isso que uma pessoa resiliente faz. Durante a tensão ela se curva, contudo essa energia acumulada é transformada em força para impulsioná-lo para novos horizontes e desafios.
Transformar a carga acumulada durante uma situação de tensão não é fácil. Converter a dor, a angústia e o medo em esperança, fé e força é um dos maiores desafios enfrentados pelos homens. Existem pessoas que são mais resilientes que outras, contudo, essa é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Cabe a cada um fazer a escolha de transformar a situação que o faz curvar em algo que o impulsiona. A cerca que o limita pode na verdade o guiar para o caminho da liberdade.