sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ciúme e possessividade





Recentemente assisti ao filme norte-americano, Simplesmente Amor (2003), que conta várias histórias cruzadas. O filme é uma comédia romântica com uma pitada de drama e nele uma das histórias me chamou especial atenção, a do casal Harry (Alan Rickman) e Karen (Emma Thompson).

Harry, um homem de meia idade, é chefe numa empresa e possui uma secretária jovem e muito bonita. A moça o assedia explicitamente, mas Harry não percebe ou não leva a sério as cantadas da moça. Tudo muda quando, na festa de final de ano da empresa, Karen enciumada o alerta para o assédio da moça. A partir desse momento Harry passa a observar a secretária com outros olhos. O desfecho da história é muito interessante. Ele me fez refletir a respeito do ciúme e me lembrou a sábia frase do dramaturgo Karl Kraus: O ciúme é um latido que atrai os ladrões.

Aparentemente o ciúme faz parte de quase todas as relações amorosas. Contudo, é impensável compreender o ciúme desvinculando-o da noção de posse. “Ele é o meu marido!”, “Mulher minha não faz esse tipo de coisa.”. Não é raro ouvir afirmações desse tipo vindas da boca das mais variadas pessoas. A sensação de posse não respeita gênero, cor, credo, idade ou classe social. A visão do outro como um objeto pessoal, ou seja, de uso exclusivo, é compreendida como algo normal em nossa sociedade. Espanta-me como essa atitude é aceita naturalmente, não apenas pelo “dono”, mas pelo “objeto”, afinal de contas “quem ama cuida”, certo? 

O ciumento tenta controlar todos os aspectos da vida do ser amado. Nas palavras de Proust “O ciúme é muitas vezes uma inquieta necessidade de tirania aplicada às coisas do amor”. O ciumento quer saber onde a pessoa vai, com quem conversa, que roupa está usando, porque demorou a chegar em casa, porque não atendeu o telefone e até mesmo que cueca/calcinha a pessoa está usando. Nada escapa aos seus olhos. 

Conheço pessoas que deveriam trabalhar na ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) tamanha sua habilidade para espionagem. Elas descobrem a senha de e-mail dos companheiros, fazem vigília no facebook, interceptam mensagens e ligações, descobrem até emails que a pessoa nem lembravam que existiam. É fantástica a habilidade de investigação e vigilância dessas pessoas.

Sempre que pergunto o motivo de tamanha desconfiança existe uma lista interminável de justificativa. “Ele mantém contato com uma ex”, “Ela me traiu em mil novecentos e guaraná com rolha”, “Ele era muito mulherengo”, “Eu não confio nos amigos dela”. Enfim, para o ciumento tudo que ele faz tem uma razão inquestionável. Por outro lado, não são raras as histórias como a de Harry, onde a pessoa objeto de ciúmes só percebe que existe um outro disponível porque o parceiro demonstra isso a ela.

Seria inocência pensar que uma relação em que há ciúme é culpa exclusiva do ciumento. As relações são construídas e a dominação não surge de uma hora para a outra. Não é da noite para o dia que a mulher resolve querer determinar quem o parceiro irá contratar como secretária, tampouco o homem acordará de manhã querendo saber cada passo da companheira. Ainda no início da relação observa-se o ciume germinando. O rapaz não deixa a moça sair com a saia “x”, pois os homens irão olhar e... ela aceita. “Se ele tem ciume é porque me ama!”. A namorada começa a implicar porque o namorado passa perfume para ir trabalhar e... ele para de usar perfume. “Ah... mulher é assim mesmo, insegura.”.

A teia é tecida lentamente, a cada dia é um impedimento novo. “Namorado meu não viaja sozinho”, “Mulher minha não tem amigo homem”. Quando o casal se dá conta as amarras na relação tornou-se algo sufocante. Aparentemente não há vida fora do casamento/namoro, contudo, é insuportável viver dentro dele.

Se por um lado o ciume é naturalizado socialmente, por outro a sociedade não lida bem com relações baseadas na confiança e liberdade. As pessoas olham com um ar de estranhamento quando uma mulher casada viaja com as amigas ou quando um rapaz vai a um show sem a namorada. É engraçado ver o olhar de espanto das pessoas quando alguém pergunta “sua esposa deixa você fazer isso” e recebe como resposta algo do tipo “eu não preciso de pedir autorização para ela”.

O primeiro passo para aprender a lidar com esse sentimento é compreender que não existe posse sobre o ser amado. Ninguém é dono de ninguém. Se alguém está em um relacionamento com uma pessoa é por escolha dele e não há nada que mude esse fato. Relação de posse sobre outro ser humano chama-se escravidão e não amor. 

8 comentários:

  1. escravidão... essa é a palavra!!!

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  2. Não existe "pedir autorização" em um relacionamento saudável, mas é válida uma conversa para saber se a atitude que será tomada para algum assunto irá causar um desconforto na mulher, certo? (ex: uma viagem com uma amiga sem a namorada).

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  3. Com certeza. Uma relação é baseada no compromisso de ambas pessoas. Dialogar é fundamental para que ela cresça. Mas há uma grande diferença entre "Meu bem, eu posso sair com os meus amigos hoje para tomar um chope depois do trabalho?" e "Meu bem, hoje eu vou sair depois do trabalho para tomar um chope com os meus amigos, ok?". Há quem diga que no fundo é a mesma coisa, mas existe uma diferença fundamental que é posicionar-se de modo autônomo na relação.

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  4. Concordo! Existe uma grande diferença! Se não houver autonomia a relação terá um desgaste gradativo, a parceira automaticamente se acostumará com o sentimento de posse e ela própria, talvez inconscientemente, olhará o parceiro como alguém sem atitude, o que não é esperado em um relacionamento. E esse resultado poderia ser prevenido se o parceiro não fosse submisso, achando que agindo dessa forma estaria agradando a parceira e por consequencia fazendo o relacionamento crescer, mesmo que ela tenha pedido para o parceiro agir dessa maneira. Por isso uma pergunta sempre deve ser realizada: Aquilo que ela/eu quer(o), é o que ela/eu realmente precisa(o)?

    Estou divagando demais? O que você acha a respeito do que escrevi?

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  5. Anônimo,

    Não... não acho que esteja divagando. O que venho observado no meu trabalho é que a ausência de autonomia dá lugar à tirania "o/a namorado/a é meu/minha e ninguém encosta". A pessoa torna-se um objeto na mão da outra. Ela não pode ter amigos, não pode sair, não pode se interessar por outras coisas senão o relacionamento, não pode respirar fora dele, tampouco sem a autorização do outro.
    Como eu sempre digo, isso não acontece de uma hora para outra. São pequenos gestos, pequenos comentários, pequenas coisas que vão acontecendo e o sujeito vai aceitando por acreditar que ciúmes é prova de amor e que é melhor não contrariar.
    Não se engane, muitas vezes essa tirania ocorre com ambas pessoas, ou seja, os sujeitos são tiranos e tiranizados ao mesmo tempo.
    Com o tempo o tirano vai sufocando tanto o tiranizado que acaba matando a relação . Aquele que se encontra oprimido acaba querendo respirar e resolve romper a relação. Infelizmente, é nesse momento que ocorrem os crimes passionais naquelas relações que já chegaram ao nível patológico.

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  6. Bom ... Preciso de um conselho , não sei mais o que fazer ! Tem 3 anos que estou com uma pessoa , e eu a amo demais só que nos últimos tempos não ta dando pra aguentar , esta desgastando demais . Foram 3 anos de muitas idas e vindas e em uma dessas vez que terminamos eu fiquei com outra pessoa e meu namorado descobriu , agora tudo ele joga na minha cara e eu sempre penso que ele vai me trair . Perdemos a confiança um no outro eu acho que estou enlouquecendo não sei mais viver sem ele , e o pior é que vivemos em pé de guerra e se não estamos bem eu perco o apetite , perco o sono , a vontade de fazer minhas atividades do dia a dia , serio eu posso ter tido um dia super cansativo mas se a gente briga eu não consigo pregar o olho . Fantasio coisas que não estão acontecendo , sou muito ciumenta talvez por estar insegura com a auto estima lá em baixo isso está prejudicando meu relacionamento e me fazendo mal , não sei o que fazer ... :(

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    1. Olha, hoje estou completando 11 meses com meu namorado, me identifiquei com esse seu comentário e parecia que era eu escrevendo rs. Mas a vdd é que eu tenho total consciência de que quem começou estragando o relacionamento foi eu, com meu ciumes extremamente possessivo e sufocante. Talvez por ele ser meu primeiro namorado e primeiro homem que despertou um amor em mim. Mas o fato é que abri os olhos pra isso há poucos meses atrás, e mesmo eu tendo melhorado praticamente 99,0% do meu ciumes, hoje é ele quem tem certas atitudes que eu tinha. Ele era maravilhoso, mas foi como se eu tivesse dobrado ele do avesso e tornado ele da forma como eu era. Existem casos e casos, mas eu venho tentando praticar bastante a paciência, a confiança e o perdão. Tento pensar o seguinte "Bom, se ele fizer algo de errado, ele certamente saberá e a consciência será total dele. Então mesmo não conseguindo acreditar em tudo que ele diz, vou engolir seco e me lembrar desse pensamento". Isso vem me ajudando muuito, de verdade. Ele está em um relacionamento sério COMIGO, é como li em uma das partes do texto da psicóloga, eu sei que ele está junto comigo por livre e espontânea vontade, então ele gosta de mim e quer estar comigo, caso contrário o que pode prender ele à mim? No momento em que ele não quiser mais, vou sofrer muito SIM, porém que seja muito feliz e eu tbm tentarei buscar o mesmo. Na teoria é de fato muito simples, mas se trabalharmos nossas mentes para esse desapego emocional e/ou sentimental, aos poucos obteremos resultados gratificantes, e depois veremos o quão bobo é esse sufocante sentimento de posse, de medo de perder a pessoa amada pra outro(a), de não saber se está sendo feita de trouxa ou trouxo, rirem da nossa cara por saberem que somos chifrados. Quem deve sentir esse medo é quem pratica ações assim, medo e vergonha. Não porque haverá vingança, mas sim porque a vida cobra, e no lugar de quem você brincou, pode mais tarde ser você o brinquedo. Finalizo com uma frase bastante pertinente ao assunto:
      "Bobo não é quem acredita, bobo é quem engana. Porque quem acredita dorme achando que está tudo bem, quem engana dorme sabendo que está tudo mal." Beijão!

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  7. Gostei do artigo. Não me me considero possessiva. Gosto de saber, mas não impesso de nada. Sei que não sou dona de ninguém e tbm sei que se terminamos cada um vai pra sua casa e pronto! As vezes sou deduzida errada por quem namoro. Por isso vim ler se sou mesmo possessiva ou simples ciumes .

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